Descrição: Texto utilizado como base para a palestra proferida na FFCL de Ituverava-SP no dia 07/10/2014 como parte das atividades da Semana Pedagógica – VI Semana de História, Letras, Matemática e Pedagogia.
Texto em PDF: Jeferson_FFCL_Ituverava2014
O DIREITO À EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: FINANCIAMENTO, ACESSO E PERMANÊNCIA, GESTÃO DEMOCRÁTICA E QUALIDADE SOCIALMENTE REFERENCIADA
Jeferson Anibal Gonzalez
Agradecimentos
Gostaria de agradecer ao convite da instituição nas figuras das professoras Fabiana Borges e Madalena Gracioli. Muito obrigado pela oportunidade. Quero cumprimentar o companheiro com o qual eu divido a mesa, professor Sebastião de Souza Lemes e também o público presente que acredito ser em sua maioria professore e estudantes dos cursos de Pedagogia, História, Letras e Matemática. Boa noite a todos!
Introdução
Dentro do tema proposto para a mesa, qual seja, o das políticas educacionais, escolhi falar sobre o direito à educação por entender que a partir dele posso abarcar de maneira mais ampla o contexto atual das políticas educacionais, suas conquistas e desafios. Assim, a partir do mote geral do direito à educação pretendo abordar questões sobre o financiamento, o acesso e a permanência, a gestão democrática e a garantia de uma qualidade socialmente referenciada. Antes, contudo, entendo ser importante a organização da sociedade capitalista atual tendo em vista a sua expressão fenomênica, qual seja, o dualismo escolar.
Sociedade, dualismo escolar e o direito proclamado
Partimos do entendimento da educação enquanto atualização histórico-cultural dos seres humanos, ou seja, compreendemos que a educação é a ferramenta que os seres humanos criaram para transmitir às gerações futuras o mundo cultural que foi produzido coletivamente ao longo do tempo. É por meio da educação que nos apropriamos do mundo humano. No entanto, vivemos em uma sociedade dividida em classes sociais antagônicas, com interesses opostos, onde essa apropriação se dá de maneira desigual. A partir do momento que a tribos primitivas entraram em conflitos e os perdedores foram escravizados, instaurou-se uma divisão entre os seres humanos: senhores (dominantes) e escravos (dominados). Instaurou-se também, a partir daí, o dualismo educacional: uma educação oferecida aos dominantes e outra aos dominados (PONCE, 2003).
Ao longo da história esse dualismo educacional se converteu em dualismo escolar, ao passo que a educação escolar passou a ser forma dominante de educação com a consolidação da sociedade burguesa entre os séculos XVIII e XIX, na passagem de uma sociedade regida por laços de sangue a uma sociedade regida por contratos. Se a firma de contratos exige sujeitos letrados, a educação deve ser oferecida ao maior número de pessoas possível. É nesse momento que surge um dos grandes dilemas da burguesia: dosar a educação oferecida às camadas populares proporcionando o suficiente para o trabalho, mas não a ascensão a uma consciência crítica. Esse dilema da burguesia atravessou os tempos e é visível o descaso das classes dominantes para com a educação básica pública.
Mas hoje não vivemos um Estado de direitos que garante constitucionalmente a educação a todos, inclusive àqueles que não tiveram acesso na idade própria? A proclamação desse direito na Constituição Federal de 1988 é de fundamental importância. Porém, apenas a sua proclamação não basta. É preciso garantir a sua efetivação. Para isso, entendo que é preciso garantir uma educação pública com qualidade social articulada à destinação de verbas por meio de financiamento público, acesso e permanência de todos e gestão democrática do sistema educacional e da escola. Vamos à breve discussão de cada um desses pontos.
Financiamento da educação
Quando os jesuítas chegaram ao Brasil em 1549 para colocar em prática o seu projeto educativo de catequização e aculturação dos indígenas, recebiam apenas uma verba enviada de Portugal para roupas e alimentação. Em 1564, Portugal determinou que 10% dos impostos arrecadados na colônia, verba que ficou conhecida como redizima. Por esse sistema, a educação era financiada com verbas públicas mas gerida por um setor privado religioso.
Com a expulsão dos jesuítas em 1759 no contexto das reformas pombalinas, foram instituídas as “aulas régias”, com o Estado se responsabilizando somente com o pagamento dos salários dos professores que deveriam arcar com o espaço (geralmente suas casas) e materiais pedagógicos. Esses salários eram mantidos pelo chamado “subsidio literário”, imposto cobrado principalmente sobre a venda cachaça. Logo, os recursos eram insuficientes devido à dificuldade que a Coroa encontrava em fiscalizar a arrecadação desse imposto no Brasil do século XVIII.
Durante o século XIX, os problemas com o financiamento da educação se agravaram devido a responsabilização das Províncias que não dispunham de recursos suficientes. Fato que realça um problema existente até os dias de hoje, que é a responsabilização de munícipios e estado por grande parte da educação sendo que a União seria o ente com mais recursos para prover uma educação de qualidade. Por isso, faz-se urgente uma discussão sobre o fortalecimento de um sistema nacional de educação e sua federalização.
Com a república, inicia-se o tempo de vinculação de percentuais mínimos. Na Constituição de 1934, determinou um mínimo de 10% das arrecadações de impostos para a União e os municípios e 20%. No entanto, a União e os municípios não investiram mais que 8,5% e os estados não mais que 15%. Essa vinculação foi retirada da Constituição de 1937 sob a Ditadura Vargas, retornou em 1946 e foi novamente retirada na Constituição de 1969 em plena Ditadura civil-militar.
A atual Constituição, promulgada em 1988, define que estados e municípios não podem investir menos de 25% dos impostos arrecadados e a União nunca menos de 18%. Porém, mais uma vez os donos do poder conseguem driblar o dispositivo constitucional e centram a arrecadação em contribuições (como COFINS, CIDE, a extinta CPMF) e não em imposto, reduzindo significativamente as verbas destinadas à educação pública (SAVIANI, 20014).
No recém aprovado Plano Nacional de Educação (PNE – 2014-2024), encontramos a vinculação do financiamento da educação ao Produto Interno Bruto (PIB), como podemos observar em sua meta 20:
Meta 20: ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto Interno Bruto (PIB) do País no 5º (quinto) ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio. (BRASIL, 2014)
Essa vinculação é uma conquista histórica, mas não basta. É preciso aprofundar as discussões sobre o custo aluno-qualidade (CAQi) e também garantir formas de controle social no uso dessas verbas.
Acesso e Permanência
Nos últimos anos, muitos avanços podem ser encontrados no que diz respeito ao acesso à educação básica. Com o ensino fundamental praticamente universalizado, às grandes demandas atuais se concentram na educação infantil e no ensino médio. É importante lembra que a educação obrigatória segundo a constituição corresponde à faixa etária dos 4 aos 17, ou seja: a pré-escola, o ensino fundamental e o ensino médio, ficando de fora a creche e o ensino superior. Porém, essa obrigatoriedade diz respeito à matrícula, pois os responsáveis que não matricularem seus filhos podem sofre as penas. Por outro, a obrigatoriedade de oferecimento pelo Estado corresponde a todos os níveis. Sendo que no caso do ensino superior, foi criado um dispositivo que garante o acesso “segundo a capacidade de cada um”. Sendo assim: o vestibular seria ferramenta para aferir essa capacidade, controlando o acesso ao ensino superior.
Interessante, assim, notar as metas de acesso estabelecidas no PNE:
Meta 1: universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches, de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE.
Meta 2: universalizar o ensino fundamental de 9 (nove) anos para toda a população de 6 (seis) a 14 (quatorze) anos e garantir que pelo menos 95% (noventa e cinco por cento) dos alunos concluam essa etapa na idade recomendada, até o último ano de vigência deste PNE.
Meta 3: universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos e elevar, até o final do período de vigência deste PNE, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85% (oitenta e cinco por cento). (BRASIL, 2014)
Mais uma verá será necessário um forte controle social para que essas metas sejam cumpridas e possamos efetivamente avançar no campo do acesso à educação.
Ao tratar do acesso, contudo, não podemos deixar de falar da garantia de permanência na escola que também é uma garantia constitucional. Nesse sentido, nosso dever ser o de abandonar tradições negativas que muitas vezes dominam o cenário escola, como: proibição da entrada do aluno sem uniforme, proibição do aluno de participar de uma atividade por ele não ter material, a famigerada suspensão e expulsão dos alunos. Atualmente tramitam projetos de leia que visa crias mecanismo de punição aos alunos que comentem alguma infração na escola. Por enquanto, esses mecanismos ainda não existem e é inconstitucional a proibição da entrada do aluno no estabelecimento escolar em seu horário de aula regular. Na verdade, entendo que a expulsão ou a sua velação por meio da “transferência compulsória”, é apenas uma forma passar o problema para frente e não enfrenta-lo.
Gestão de democrática
Nossos sistemas educacionais e nossas escolas ainda vivem sob a égide certo mandonismo, no qual as diferentes vozes não têm expressão e são subjugadas a figuras autoritárias. No gerenciamento dos sistemas é preciso pensar formas que garantam a participação nos conselhos que tem a função de fiscalização, aprovação e proposição de políticas públicas. No âmbito da escola, a gestão democrática deve garantir que a instituição tenha um líder em não um ultrapresidente. Para isso, deve-se pensar o fortalecimento dos conselhos de escola como instâncias máximas de poder na escola. A figura do diretor, assim, seria a de um coordenador que zela pela execução das deliberaçções do conselho de escola. É importante também pensar forma de escolha desse diretor.
Sobre isso o PNE traz a seguinte meta:
Meta 19: assegurar condições, no prazo de 2 (dois) anos, para a efetivação da gestão democrática da educação, associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à consulta pública à comunidade escolar, no âmbito das escolas públicas, prevendo recursos e apoio técnico da União para tanto. (BRASIL, 2014)
Não é mais aceito, dentro do princípio da gestão democrática, a indicação meramente política dos diretores de escola como acontece em grande parte dos municípios brasileiros. É preciso formas de escolha que levem em consideração os critérios técnicos e o envolvimento do sujeito com a comunidade em torno da escola. Por isso, é necessário se pensar processos híbridos que envolvam concursos públicos de provas e títulos e eleições que garantam o compromisso políticos daquele candidato com a escola que pretende dirigir.
Referências
BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação – PNE e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13005.htm>. Acesso em: 7 de out. 2014
PONCE, Anibal. Educação e luta de classes. 20ª ed. Trad. de José Severo de Camargo Pereira. São Paulo: Cortez, 2008.
SAVIANI, Dermeval. O lunar de Sepé: paixão, dilemas e perspectivas na educação. Campinas: Autores Associados, 2014.
Profª Madalena Gracioli (coordenadora do curso de Pedagogia da FFCL-Ituverava), Profº Jeferson Anibal Gonzalez e Profº Sebastião de Souza Lemes.